29/04/2012

"A volta ao Mundo em 30 Dias - Sri Lanka"

 Não posso deixar de partilhar uma das participações, recebida por e-mail, no Desafio "A Volta ao Mundo em 30 dias", por António Silva. 
Muito obrigada por esta partilha magnífica, consegui viajar até lá!


«Contar uma experiência gastronómica associada a uma viagem não é fácil. Principalmente para quem não põe esse tónico nas viagens ou destinos que escolhe.

Mas há sempre uma experiência, elemento surpresa nessas viagens, que mais ou menos marcante nos faz muitas vezes regressar a esse lugar, e que para além das experiências gastronómicas são mais do que isso uma experiência que nos obriga a crescer e ver o mundo e as culturas diferentes das nossas
com um olhar límpido e despido de preconceitos.

O destino era fazer a rota dos antigos navegadores e redescobrir uma das ilhas das especiarias, que Camões tão bem cantou no Canto Primeiro dos Lusíadas.

“Que, da Ocidental praia Lusitana,
  Por mares nunca dantes navegados
  Passaram ainda além da Taprobana"


E lá vamos nós, não passar para além, mas permanecer 3 semanas na Taprobana de Camões, Ceilão, actual Sri Lanka.
Cinco dias antes da partida, rebentam bombas na capital que destroem vários edifícios civis, decorrentes de acções dos tâmiles em luta pela independência do Norte da Ilha.

Como férias sem emoções fortes (e disso não nos pudemos queixar) não são férias há que seguir em frente, porque se os portuguesas de quinhentos não hesitaram não vão ser os portugueses do sec. XX que o vão fazer.

No percurso para o hotel de chegada, fomos brindados com as primeiras emoções. De 100 em 100 metros tínhamos barreiras militares, de tal maneira que ponderamos o regresso de imediato. Mas não nos importunaram e seguimos em frente olhando a paisagem e sentindo o ar quente e abafado colar-se a nossa pele. Por pouco tempo isso nos importunou, pois algo de mais forte se colou a nós e nos fez esquecer a temperatura. Há beira da estrada as bancas com carne e peixe para venda deslizava. Essa miragem, sim era aterradora. Ali sem qualquer indicio de ASAE as vísceras, as cabeças, as entranhas dos animais eram expostas aos nossos olhares e ao sabor de enxames de moscas e outros insectos. Se fome houvesse rapidamente desapareceu…
Mas voltar atrás já não era possível e seguimos em frente. O hotel estava a nossa espera e retemperou-nos. Uma volta pouco turística por Colombo, trouxe novamente a apreensão. Contratou-se um guia no Hotel pois o destino não era ficar ali na capital mas percorrer a ilha de lés a lés.
Com destinos mas sem prazos lá fomos nós.
Descobrir esta ilha foi um presente que íamos desembrulhando devagarinho.

Os locais arqueológicos de Dambulla e o seu Templo Dourado (património mundial da Unesco), Sigiriya e a sua Cidade Antiga (património mundial da Unesco), Kamdalema, Polonnâruva, Anuradhapura, e a sua Cidade Santa (património mundial da Unesco). Os encantadores de serpentes, o andar de elefante, tudo isto no meio de uma vegetação ora savana ora selva.

As montanhas onde o chá se cultiva e que deslumbram pelo verde que as cobre e pelas muitas cascatas que caiem pelas suas encostas são verdadeiras jóias da natureza. Um hotel tipicamente britânico, em plena montanha e onde para jantar os homens têm de usar gravata.

Kandy, (património mundial da Unesco) principal centro religioso de budistas e o seu Templo do Dente de Buda. Galle (património mundial da Unesco) e a sua Cidade Antiga com a sua muralha e forte de origem portuguesa.

As danças tradicionais singalesas, as lojas de pedras preciosas, as sedas, o brilho e a côr, os nomes marcados nas lojas com origem portuguesa. O presente que íamos desembrulhando devagar e sem pressa, tal como o tempo que parecia não passar tal a “lentidão” com que a vida se desenrolava nestas paragens.

E nestas deambulações foram passando os dias. Chegou a hora, com muita saudade, de dispensarmos o guia/condutor que nos acompanhou e com quem convivemos durante estas (re)descobertas e irmos finalmente descansar o resto do tempo ao sol nas belas praias da Beruwela,e Arugam Bay. 
Mas antes o convite para almoçarmos em casa do guia chegou e aí fomos nós embalados em mais uma aventura. 
A sua casa, aos olhos ocidentais, era uma “cabana” no meio da floresta, com paredes de tábuas e telhado de zinco. Apenas um quarto e a cozinha, separados por cortinas, a mobília assentava em chão de terra batida. Os seus filhos e as crianças da redondeza vinham ver-nos e olhavam-nos com uma curiosidade tão característica da infância. 
Finalmente sentámo-nos e o almoço foi sendo colocado na mesa situada ao ar livre. Como bons ocidentais esperamos que a sua mulher e as crianças se sentassem também. Tal não aconteceu. Para nosso espanto ela e as crianças só almoçariam depois de termos concluído o nosso repasto, pelo que ia-nos fazendo chegar o fruto do seu labor, e não só… As iguarias à nossa frente eram muitas e variadas. Legumes vários, peixe frito, guisados de cabrito e galinha (a vaca neste país é um animal sagrado e como tal não serve de refeição. Deambulam livremente por onde lhes apetece…). O cheiro de todos aqueles pratos era soberbo, o aroma, os sabores a especiarias estranhas e exóticas, os frutos, deixavam-nos com água na boca. As moscas também não nos deixavam e parecia que queriam ser nossas parceiras a almoçar. Mas a presença constante da mulher do guia a espantá-las a nossa volta não lhes permitia poisar. Esta situação criou-nos também um embaraço grande. Mas foi impossível resistir a este autêntico manjar, que em hotel nenhum tínhamos
conseguido alcançar.

Depois de 16 anos, a imagem deste conjunto ainda permanece viva. Muito viva. Impossível agora recordar o nome dos pratos, ingredientes e pormenores. Mas esquecer esta refeição é impossível. Marcou profundamente. O lugar, a humildade, a forma de acolhimento, a alegria de receber e de dar.

O meu (ocidental) conceito ou preconceito perante a diferença ficou aqui abalado, mas foi uma lição aprendida. Não julgar, e aceitar os outros e as suas culturas, religiões como se minhas fossem, a tolerância como divisa.
Acabamos e partimos. Não antes sem distribuir pelas crianças todas as esferográficas que tínhamos levado. A alegria foi grande. A satisfação ao receberem este inusitado presente (no nosso conceito) foi algo inacreditável.
Os sorrisos largos e sinceros que espelhavam tamanha alegria estavam ali, a nossa frente, a algazarra, o adeus cheio de risos.
O almoço deles pôde esperar. Aquele presente fê-los esquecer a vontade de comer e rodopiavam a nossa volta.
A receita que apresento é um doce, tipo pudim de pão:

Wattalapam
8 ovos
300 g de açúcar mascavado
2 copos (500 ml) leite de coco grosso
1 colher de sopa farinha de milho
1/2 colher de chá noz-moscada, ralada
1/4 colher de chá de cardamomo em pó
½ chávena  (25g) de cajus picados e passas de uva

1.) Bater bem os  ovos numa tigela.
2.) Adicionar os outros ingredientes e misture bem.
3.) Deite numa forma de alumínio/ aço inoxidável.
4.) Cobrir com uma folha e cozer em banho-maria durante 30-40 minutos
 (A água não deve ferver muito forte mas  suavemente até que o pudim esteja definido.)
5.) Retire e deixe arrefecer.
Coloque no frigorífico 5-6 horas antes de servir.


Até à próxima, e “bohoma es-thu-ti” *

*Muito obrigado em singalês

5 comentários:

Guloso e Saudável disse...

Olá Vera,
Ótimo texto do António Silva, conhecemos os contraste do absurdo para a época atual e os magníficos contraste ainda na época atual, é uma cultura que me assusta e me apaixona, ótima receita.
Bom domingo, beijo,
Vânia

Inês Ginja disse...

Maravilhoso texto e apaixonante receita :)
Um pudim de sabores fortes e perfumados.
Uma viagem de lições e vida.
Um beijinho e bom domingo.

Romy Almeida disse...

Esse pudim deve ser uma maravilha!!

Bjokas

S* disse...

Admito que sou muito esquisitinha com comida e tenho medo de inovar... mas isso parece-me bom.

paula disse...

Adorei este texto, ate fiquei com vontade de la ir de ferias, e o pudim e de crescer agua na boca...

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